domingo, 25 de novembro de 2007

Do que foram acusados

João Guerra garante

“arguidos conheciam-se todos"

ACUSADOS DE 1586 CRIMES

Conheciam-se todos – esta é uma das expressões que mais aparece na acusação do megaprocesso de pedofilia da Casa Pia, que foi concluida ontem e que tem em Carlos Silvino, 'Bibi', o arguido a quem mais crimes são imputados: 1246. Carlos Silvino, aliás, surge na acusação como o elo de ligação entre os restantes arguidos.

‘Bibi', de acordo com o Ministério Público (MP), fazia mesmo questão de, na maioria das vezes, abusar dos jovens alunos da Casa Pia e testar durante uns tempos a sua capacidade de guardar segredo, antes de os passar a outros arguidos, como Carlos Cruz (10 crimes), Paulo Pedroso (23), Hugo Marçal (64 crimes) e Ferreira Diniz (48 crimes), Manuel Abrantes (95 crimes), Jorge Ritto (24) e Herman José (1). Alguns desses crimes foram, para o MP, cometidos em casas disponibilizadas pelos arguidos Francisco Alves (35) e Gertrudes Monteiro (40).

"O arguido Carlos Silvino, depois de se certificar que os menores mantinham em silêncio os actos sexuais a que eram por si sujeitos, levava-os, a troco de dinheiro, a casas ou a outros locais onde se encontravam indivíduos adultos do sexo masculino para que também os sujeitassem à prática de actos da mesma natureza, designadamente de masturbação, de coito oral e de coito anal. Atenta a notoriedade de alguns desses indivíduos, o arguido 'Bibi' tinha especial cuidado na escolha dos menores que lhes levava", pode ler-se na acusação subscrita pelos procuradores João Guerra, Paula Soares e Cristina Faleiro.

Na Casa Pia, a actuação de 'Bibi', segundo o MP, só era feita com "liberdade e autonomia", à "custa da protecção e do poder" de Manuel Abrantes, que tinha ascendido ao cargo de provedor-adjunto em 30 de Junho de 1997. De Jorge Ritto, Carlos Cruz, Ferreira Diniz, Paulo Pedroso e Hugo Marçal, o MP também não teve dúvidas em escrever que, para todos eles, o cargo desempenhado por Manuel Abrantes era uma "garantia de que a prática de actos sexuais a que sujeitavam alunos da Casa Pia, muito dificilmente seria descoberta".O MP adianta, também, que Carlos Cruz, Carlos Silvino e Jorge Ritto desde os anos 80 que são referenciados como "estando envolvidos em abusos sexuais de crianças e jovens" da Casa Pia. "Estes arguidos conheciam-se, também, desde há longa data

Na acusação, a palavra "conhecia", aliás, é inúmeras vezes repetida: "O arguido Ferreira Diniz conhecia Jorge Ritto e Carlos Cruz, desde, pelo menos, o início dos anos 90"; "O arguido Hugo Marçal conhecia Carlos Silvino desde 1986"; "O arguido Hugo Marçal era visita dessas casas [disponibilizadas por Jorge Ritto], nelas se encontrando também com o arguido Carlos Cruz": "[Hugo Marçal] conhecia o arguido Manuel Abrantes, pelo menos desde 1998, altura em que concorreu ao lugar de Director de vários colégios da Casa Pia";


"O arguido Paulo Pedroso conhecia os arguidos Carlos Cruz, Carlos Silvino e Jorge Ritto, pelo menos desde meados dos anos 90" – encontravam-se, com frequência, segundo o MP, numa casa denominada "Casa dos R's", em Lisboa, na zona do Restelo – "O arguido Paulo Pedroso conhecia o arguido Manuel Abrantes, pelo menos desde 1997, em virtude das funções públicas que ambos desempenhavam."


De Paulo Pedroso o MP salienta que, "apesar dos cargos públicos que passou a ocupar [no Governo, liderado por António Guterres] – com particulares responsabilidades na área da protecção e solidariedade social - continuou a ser um dos adultos a quem o arguido Carlos Silvino, a troco de dinheiro, levava menores a fim de os sujeitar à prática de actos sexuais ( )".

O MP não teve dúvidas em frisar que Pedroso, Cruz, Abrantes, 'Bibi', Diniz, Marçal e Ritto estavam "cientes de que" os seus comportamentos – "para além de constituirem crimes – eram alvo de fortíssima reprovação social, e de que a descoberta de tais práticas arruinaria as respectivas carreiras profissionais e poria fim à credibilidade social de que gozavam", pelo que decidiram "unir esforços para poderem, em total reserva, continuar a sujeitar menores de 16 anos a actos sexuais". "Organizaram-se, então, numa estrutura informal que lhes permitiria obter, sempre que quisessem, mas com toda a segurança, crianças e jovens menores de 16 anos para as suaspráticas sexuais", sublinha o MP. Práticas que foram muitas vezes cometidas na casa de Elvas, de acordo com nove das vítimas, que são comuns a todos os arguidos.

2003-12-30

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